Escrever pra mim é uma forma de escavar o meu passado; cada vez que eu escavo mais fundo e trago a superfície um punhado de terra, revolvo dentro de mim nutrientes, húmus essencial, que perdi ao longo das enxurradas da vida...
Em cada escavada...volto a ser aquela menina que contava os anos pra crescer rapidamente, que já não apreciava mais brincar com as bonecas, que queria começar a trabalhar bem cedo, tendo o seu próprio salário, para comprar as suas coisas, e desafogar meu pai, ajudando-o de alguma maneira; que amava conversar com as pessoas mais velhas, e conseguia plenamente manter as conversas no mesmo nível que elas, ao ponto delas duvidarem quando eu dizia a minha real idade; eu também era a garota mais amadurecida da turma, no Ensino Fundamental, já aconselhava a todos nos intervalos das aulas, ao ponto dos meus colegas me aconselharem a ser uma psicóloga quando eu crescesse.
Eu era aquela adolescente que ansiava ter logo dezoito anos pra assistir o filme ''Romeu e Julieta'', e poder constatar mais de perto o amor que eu só lia nos livros que tanto apreciava; o romantismo dentro de mim brotava como um rama de girassóis sempre irradiando para o alto, querendo alcançar o céu e ser aquecida pelo sol; aquela adolescente risonha, alegre e faceira que saía de mãos dadas com o meu pai, com o maior orgulho, como se ninguém, na face da terra, tivesse um pai mais maravilhoso do que o meu, nunca me sentir tão amada como naqueles momentos, que íamos passear, assistir os filmes que ele nem me dizia os títulos deles, só pra me ocasionar expectativas, surpresas e alegrias, como por exemplo ''E o Vento Levou'' ...Ou então ir com ele pra aprender a jogar Boliche, mas as bolas eram tão pesadas e eu conseguia só derrubar um obstáculo; mesmo assim meu pai batia palmas e me incentivava a tentar mais uma vez; ou quando ele me levava ao Iate Clube, desde a tenra idade, pra me ensinar a nadar, a cada dia perder o medo e a pular num trampolim mais alto, e ele sempre estava de braços abertos me esperando lá embaixo na piscina; e ele também me ensinava e me deixava pescar e mesmo quando eu só pescava um peixinho e me sentia toda orgulhosa por tal façanha e realização, ele me aplaudia e ainda ganhava de prêmio o seu sorriso tão maravilhoso!
E eu cresci e quando me dei conta a maturidade já tinha me revestido com uma capa muito pesada de existir, que já não podia me desvencilhar, porque já era a minha realidade, e sem mais a leveza e alegria de viver, somente como uma menina, com o frescor da infância; velozmente eu me transformei em uma mulher madura, cheia de responsabilidades, profissional exemplar, mãe extremamente cuidadosa e zelosa com os seus rebentos; mulher não tanto como eu imaginava e tanto sonhava, não conseguia reproduzir na realidade o amor que tanto sabia de cor e decorado, e que eu tanto já conhecia nas leituras dos meus livros.
Sempre pulei as etapas da minha vida, e foi quando exaurida percebi que o meu sonho tinha se realizado (eu já era adulta demais) e tinha sido uma criança e uma adolescente extremamente precoce e madura!
Faltam apenas dois dias para eu completar 53 anos de existência e que lições eu aprendi e assimilei em ser tão precocemente adulta???
--Que quanto mais diminuo, sou criança, eu cresço... eu vou te explicar esse meu pensamento, só com a pureza e a leveza de uma criança podemos enxergar a nossa verdadeira realidade; só com a sensibilidade de uma criança podemos amar sem reservas, perdoar a qualquer momento, a brincar mesmo quando está o dia chuvoso, não tendo nenhum receio de tomar chuva, brincar nas poças de lama, ter os cabelos desgrenhados, a roupa toda suja, sem se preocupar com a sua aparência ou se vai agradar alguém--você quer ser você, apenas você, CRIANÇA FELIZ--ficar por horas construindo um castelo de areia na praia e quando vem a onda e derruba a sua obra de arte, você sorri e começa tudo de novo...
--Aprendi o quanto devemos amar as pessoas ''como se não houvesse amanhã'' conforme a letra da música de Renato Russo, devemos beber sofregamente todos os momentos, sem sequer cogitar que amanhã poderemos morrer sedentas e de inanição; creio que os momentos que vivi ao lado de meu pai foram assim, plenos demais, inesquecíveis, e só ontem percebi que ele me considerava uma parceira de brincadeiras e segredos, eu era ''o filho homem'' que ele nunca teve, aquela que ele efeminizou o seu nome,. aquela, que na sua presença, ele conseguia resgatar a criança que ele foi um dia...nós éramos apenas crianças felizes quando estávamos juntos.
--Aprendi que amar é ter leveza, ter humildade pra se entregar totalmente, ser o que você foi e é quando era criança; descobrir'' o por quê ''eu tanto desacertei em amar no passado; eu nunca conseguia reproduzir, em meus relacionamentos amorosos, as palavras do Senhor Jesus que ninguém consegue galgar o Reino dos Céus sem o olhar, sem os sentimentos, a pureza e a leveza de uma criança.
Portanto, aquele que se tornar humilde como este menino, esse é o maior no reino dos céus. Mateus 18:4
Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como menino, de maneira nenhuma entrará nele. Marcos 10:15
--Aprendi também o quanto faz falta um simples bolinho de aniversário, ficar ao lado de minha mãe, observando-a preparando os docinhos, os salgados, o bolo, ah, o bolo! Que delícia! Lamber os dedos com o recheio grudado na panela, me lambuzar no glacê do bolo tão almejado...nunca pensei que sentiria tanta falta de um simples bolinho de aniversario!
--Nunca pensei que sentiria tanta falta de presenças, de cheiros, de abraços, de sorrisos, de uma simples ligação, só pra dizer: você existe, eu me lembrei de você, Feliz Aniversário!
Será que envelheci ou só agora sou criança, vivendo, apenas esperançosa, a existir?
--Aprendi ... VIVER é apenas resgatar e por em prática o que a criança aprendeu na sua infância!
--Aprendi agora sem vacilar...O que você quer ser quando crescer?
--EU QUERO SER UMA CRIANÇA!
--Aprendi...que a criança comemora o seu aniversário'' como se fosse o seu primeiro aninho'', como na minha foto abaixo que retrata esse inesquecível momento; sem se importar com a idade que se tenha atualmente!